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Educação na aldeia

A preservação da cultura indígena por meio da educação
Fotos: Dorival Coral

Anderson Sebastião dos Santos Lucas, da comunidade Tereguá, e Gleidson Alves Marcolino, da comunidade Nymuendajú, são formandos de 2022 do curso de Pedagogia do UNISAGRADO. Ambos já atuam como professores nas comunidades de origem. Eles explicam como escolheram o curso, as experiências durante a graduação e quais são as expectativas com a formação.

O sonho de ser professora: uma inspiração
que vem da própria aldeia
Fotos: Comunicação Unisagrado

Martha Pio é indígena do Povo Terena e vive na comunidade Ekeruá da aldeia Araribá. Hoje, ela é pedagoga formada pelo UNISAGRADO e atua na própria aldeia.  Martha é da turma de formandos de 2021 e conquistou seu diploma graças ao Projeto Araribá. 

A egressa conta que seu maior objetivo era se formar para conseguir dar aula aos indígenas. A escola da comunidade sempre foi sua segunda casa e ela sentia que deveria retribuir todo o conhecimento para o desenvolvimento da aldeia. 

A família teve papel importante durante a trajetória no ensino superior. Mas, Martha faz questão de destacar o papel do Projeto Identidade Araribá: “O projeto é de grande importância, pois promove a formação acadêmica de vários professores indígenas da tribo indígena Araribá. O UNISAGRADO é uma das melhores instituições de ensino superior, sendo assim vejo que nós, professores indígenas formados pelo UNISAGRADO, passamos de fato para nossos alunos um ensino significativo e de qualidade”, pontua.

 

Durante o curso de Pedagogia, Martha teve que superar alguns desafios. “Foram 4 anos de muita aprendizagem e troca de experiências. Confesso que saí da minha zona de conforto, pois o espaço acadêmico é muito diferente do ambiente em que estava acostumada. Com muita vontade de aprender, consegui me adaptar e realizar os trabalhos que eram desenvolvidos dentro e fora da sala de aula”, relembra.

Com o fim da graduação, a professora não interrompeu os estudos.  Desde agosto deste ano, está fazendo uma especialização e reforça: “Sabemos que o ato de estudar e buscar novos conhecimentos é essencial para um educador. Todos os professores que fizeram parte da minha trajetória educacional são minhas inspirações”.

 

Toda essa trajetória da Martha e de todos os indígenas que concluíram uma graduação tornam-se referência na aldeia. Por isso, deixa claro: “Quero exercer essa profissão aqui na minha comunidade, pois esse foi e sempre será o meu objetivo”.

Conheça mais sobre a Martha e sua trajetória no ensino superior 
Pedagogia: a realidade e os desafios do curso que mais formou indígenas
Tiago Nhandewa: a continuidade nos estudos para romper estereótipos
Foto: Comunicação Unisagrado

Tiago de Oliveira, ou Tiago Nhadewa como prefere ser chamado, é formado em Pedagogia por meio do Projeto Identidade Araribá e o primeiro indígena de Avaí e da região a cursar doutorado. Ele integra o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da USP - Universidade de São Paulo. 

Tiago, que é da etnia Guarani Nhandewa, da aldeia Tereguá, busca contribuir com a construção do conhecimento científico a partir do olhar indígena. Durante o mestrado, desenvolvido no mesmo programa, ele desenvolveu a dissertação: “Perspectiva Guarani Nhandewa sobre Formação Intercultural de Professores Indígenas: ancestralidade, espiritualidade, cosmologias e línguas indígenas”. Ele bateu um papo com a aluna Laura Marcello, do terceiro ano de Jornalismo do UNISAGRADO, para contar um pouco da trajetória na área acadêmica e as perspectivas. Ouça no podcast abaixo.

PODCAST _ENTREVISTA TIAGO
00:00 / 24:00
Fotos: Arquivo Pessoal
Cacique da Kopenoty, o primeiro formado em Geografia no estado, reforça a importância do projeto para Araribá
cacique em evento no unisagrado.JPG
Foto: Comunicação Unisagrado

Chicão Terena, como é conhecido, nasceu e mora até hoje na aldeia Kopenoty. Liderança na comunidade, decidiu cursar Geografia para compreender mais sobre as regiões ocupadas pelos povos indígenas. Desde 2016, quando se formou, contribui com a formação dos jovens de sua aldeia. 

O cuidado com a saúde indígena

A indígena que abriu as portas da aldeia para a Enfermagem

Regiane Rodrigues é enfermeira na comunidade Kopenoty. Ela foi a primeira mulher indígena a se formar pelo Projeto Identidade Araribá no ano de 2009. Desde então, atua no posto de saúde da aldeia, um trabalho que ela encara como missão.

A missão de cuidar da saúde dos indígenas da aldeia segue com a geração mais jovem

Thiago Silvério, formando de 2022 do curso de Enfermagem do UNISAGRADO, também quer ser referência para o seu povo. Ele fez estágio em unidades de saúde em Bauru, mas não vê a hora de retornar tudo o que aprendeu para a aldeia Araribá.

 

Com o conhecimento adquirido, ele sabe que pode fazer diferença pois entende o que o seu povo necessita. Assista ao depoimento dele no vídeo.

Fotos: Arquivo Pessoal

Para além das terras da aldeia

Fotos: Arquivo pessoal
Parte da turma de formandos de 2016 em Enfermagem. Thaís, na primeira fileira, a segunda da esquerda para a direita.

A maior parte dos indígenas que se formaram no ensino superior pelo UNISAGRADO está atuando nas terras indígenas de Araribá. Mas, há exemplos de quem buscou ampliar o trabalho e a atuação junto ao povo indígena. É o caso de Thais Cristine Caetano. Indígena do povo Terena, nasceu e pertenceu à aldeia até 2021. Ela se formou no curso de Enfermagem em 2016, também com bolsa do Projeto Identidade Araribá. Hoje, mora na região metropolitana de Curitiba e desde dezembro de 2021 trabalha na Casa de Saúde do Indígena, uma referência nacional em saúde indígena.

 

Na entrevista abaixo, ela conta mais detalhes da formação que recebeu e como tem sido a atuação na área da saúde.

Projeto Identidade Araribá: Por que você decidiu cursar enfermagem?

Thaís Caetano: Em 2006, eu terminei o ensino médio e, no ano seguinte, 2007, entrei para o curso técnico de enfermagem. A princípio, eu fui para o curso técnico porque eu tinha feito o vestibular pelo Projeto Identidade Araribá, na época da USC, e como eu residia em Bauru, tive que concorrer com os indígenas urbanos. Os indígenas urbanos concorriam a uma bolsa e a terra indígena de Araribá tinha quatro, uma quantidade maior. Eu não fui contemplada, apesar de ter passado no vestibular.

Como eu não ganhei a bolsa e eu queria um curso da área da saúde, fui para o curso técnico porque era o que dava para eu pagar. Eu terminei o curso técnico em 2009 e fui atuar no hospital estadual de Bauru, na unidade de tratamento de queimaduras. 

Vacinação contra Influenza na aldeia.

 Eu não tinha nenhum familiar doente e não tinha nenhum contato prévio. Foi mais por ouvir da profissão. Eu permaneci 7 anos atuando na área antes de me formar como enfermeira pelo Projeto Identidade Araribá do Unisagrado, em 2016. Eu decidi fazer Enfermagem por já estar atuando na área, por conhecer um pouquinho do trabalho e, com a oportunidade de cursar o ensino superior, não vi outro curso para fazer que não fosse Enfermagem.

Projeto Identidade Araribá: Qual era a necessidade no atendimento à saúde indígena na aldeia na época?

Thaís Caetano: Eu me formei no curso técnico em Enfermagem em 2009. A SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena) foi criada no ano seguinte, em 2010. Quando eu terminei o curso técnico, eu já fiz o processo seletivo do Hospital Estadual. Nessa época, a  equipe de saúde indígena era menor. Houve uma extensão de profissionais a partir de 2010, quando foi calculado o índice populacional das aldeias, as necessidades de cada uma.

Nessa época, eu já estava na área hospitalar e, quando eu e mais uma indígena nos formamos, no ano seguinte ela acabou ingressando. Ela morava em uma comunidade um pouco maior e conseguiu uma vaga. Depois, em anos posteriores, conforme o pessoal foi se formando, foi tendo as oportunidades.

O meu contato com atendimento de saúde na aldeia ocorreu durante a minha gestação, entre 2016 e 2017. O pré-natal nosso é feito todo dentro da aldeia. Eu tinha que estar ali para passar nas consultas com um enfermeiro e um médico que atendia na terra indígena. Ali, a gente conseguia ver um pouco da rotina do atendimento, como era o trabalho dos profissionais. É muito voltado para a atenção primária, com palestras, tudo voltado para a prevenção.

  Nesse período, eu trabalhava. Então tinha os plantões, uma folga por semana. Eu trabalhava à tarde, fazia faculdade à noite e voltava para a casa só para dormir. No outro dia cedo eu já voltava de novo, porque não tinha ônibus que batia horário. Saía muito cedo e voltava muito tarde. Foram cinco anos de graduação nessa vida de estrada. Ter contato com a saúde indígena, mesmo,  foi quando eu entrei para atuar pois até então eu tinha a visão da saúde hospitalar mesmo.

Projeto Identidade Araribá: Então o transporte foi uma das suas principais dificuldades durante a graduação?

Estágio de enfermagem em centro cirúrgico.

Thaís Caetano: A gente tinha que sair da terra indígena porque não passava ônibus na vicinal para que a gente pudesse pegar. Então, a gente tinha que ir pegar o mais próximo que era em Avaí ou em Duartina. E fazer essa locomoção, de uma cidade para a outra, levava quarenta minutos de viagem, dependendo do trajeto.

Eu saía às 10 horas da manhã para entrar ao meio dia e meia no hospital. Eu começava a trabalhar às 13 horas, então almoçava correndo e ia para o plantão. À noite, eu tinha que sair às 19 horas e estar às 19h na  universidade.

 Como os horários não estavam batendo, vi que precisava de um carro para ir mais rápido. Foi o que me ajudou bastante. Tirei a habilitação e, mesmo com medo, eu ia. Mesmo sendo um trajeto pequeno, demorava para chegar. Mas, acabei me adaptando. Lembro que nos primeiros semestres tínhamos as disciplinas mais introdutórias e lembro que chegava às 19h30 ou 19h35 e acabava perdendo uma aula ou meio período da aula.

Projeto Identidade Araribá: Você se lembra de algum outro desafio nesse período?

Thaís Caetano: Uma das dificuldades que eu relato muito é a questão financeira. A gente se sente um pouco fora do quadro. Você sai do trabalho, chega à faculdade sem tomar banho e está todo mundo arrumado. Para mim era um desafio. Mas, eu tinha comigo que eu precisava me formar para ter uma condição de vida melhor. E tinha que enfrentar tudo isso, independentemente das dificuldades que iam surgindo. Durante o estágio, ainda, eu descobri a gravidez da minha filha, no último ano. Sem falar na dificuldade de horário também para fazer o estágio. Foram cinco anos assim: no início trabalhando à tarde e estudando à noite. Depois, trabalhava de manhã, fazia estágio à tarde e faculdade à noite. Mas ajudou bastante o fato de eu trabalhar na área. Como eu via muita coisa na prática, chegava na hora da teoria eu conseguia associar bastante coisa. Eu trabalhava em uma unidade complexa, então, tinha centro cirúrgico, UTI, atendimento infantil, então eu via um pouco de tudo. Às vezes, não conseguia ter o conteúdo de forma integral, de ouvir o professor falar. Mas tinha lembrança daquilo na prática, o que me ajudou muito, apesar de toda a correria. Na universidade, em si,  por ter esse projeto há um tempo, nós não éramos novidade por sermos indígenas. E, no curso de Enfermagem, todos foram muito acolhedores. Pra gente, esse acolhimento fazia a diferença.

Projeto Identidade Araribá: Como começou a sua atuação com as comunidades indígenas?

Thaís Caetano: Como eu tinha a vivência só hospitalar, era uma dificuldade aplicar tudo aquilo que eu aprendi na universidade na saúde indígena. Porque a gente tem um modo de vida que, por mais que eu estivesse na universidade, dirigindo e introduzida naquele meio, temos os mais velhos na aldeia que não tiveram essa oportunidade. E eles vivem como os indígenas que não tiveram tanto contato. 

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Vacinação contra Covid-19 durante a pandemia.

 Então, em 2018, eu fiz uma especialização em Saúde da Família pelo UNISAGRADO para poder ver como eu conseguiria trazer na prática, com a comunidade indígena, o que aprendi na teoria. E o diferencial no UNISAGRADO é que eles sabiam que eu era indígena e tentavam nas atividades teórico-práticas fazer associações. Não é pelo fato de ser indígena e pelo fato de morar na aldeia que a gente vai sempre ter facilidade. Vai encontrar dificuldade também. Por isso, fui em busca da especialização. E, em 2018, eu tive o convite das lideranças ali das aldeias para que eu pudesse atuar no Polo Base de Bauru, que é um setor descentralizado da ação de indígena para poder prestar o suporte para as aldeias que são assistidas: terra indígena de Araribá, com suas quatro aldeias; terra indígena de Icatu, em Braúna e aldeia Vanuire, em Arco-Íris.  Como o polo fazia essa parte administrativa e, na época, a enfermeira que fazia a gestão tinha se aposentado, eles pediram para que eu pudesse atuar e eu comecei a atuar com a saúde indígena. Fiquei lá até o ano passado, quando vim trabalhar na Casa de Saúde Indígena de Curitiba.

Projeto Identidade Araribá: Qual a importância de ter mais indígenas na área da saúde?

Thaís em atendimento na Casa de Saúde do Indígena em Curitiba.

Thaís Caetano: O diferencial que a gente tinha [em Avaí] era o agente de saúde. Os dois profissionais com quem a gente trabalhava falavam a língua indígena. Quando tinha uma situação em que a gente achava que era importante eles estarem ali, passarem para a língua indígena, trazia com a gente para eles conversarem com o paciente,  às vezes, até com o cacique. Pelo fato de eu ter crescido mais fora do que dentro da aldeia, eu não tive a oportunidade de conseguir ter um diálogo, dar uma orientação na língua terena. Mas, tentei trabalhar próxima deles para ver a necessidade deles. E isso é importante para o enfermeiro, técnico de enfermagem, dentista, fisioterapeuta, farmacêutico… porque, se observar essa dificuldade de entendimento ou se notar que o que você disse não tenha sido absorvido de forma integral, você consegue esse apoio. Então, quanto mais pessoas estiveram nas diversas áreas de atuação disponíveis, o nosso trabalho tende a ser muito mais efetivo.

Thaís em visita à aldeia Vanuire, em Arco-Íris.

Projeto Identidade Araribá: Quais são seus objetivos em relação à profissão?

Thaís Caetano: Um dos meus projetos era poder atuar na Casa de Saúde Indígena, que eu estou realizando atualmente. Ter o contato com outros povos e outras etnias é algo que não tem preço. Conhecer outras realidades e ter a oportunidade de saber como é a realidade de outros estados. Um dos objetivos que quero realizar quando minhas filhas estiverem maiores é poder trabalhar com a população indígena da região norte do país. 

 Lá tem toda uma rotina diferente de atendimento à saúde indígena: ela é feito por rio ou meio aéreo, os profissionais têm que ficar em campo, dentro das aldeias. Outro objetivo é permanecer na saúde indígena, independentemente da região de atuação. Neste mês [novembro, 2022] nós vamos ter a Conferência Nacional de Saúde Indígena em Brasília, que ocorre a cada 4 anos, e vou ter a oportunidade de participar. São indígenas do Brasil inteiro com o objetivo de tentar fazer as melhores políticas de saúde para a população. Era um sonho também estar participando desse momento de integração dos indígenas usuários do sistema e os gestores de saúde que eu realizo.

Projeto Identidade Araribá: Qual a sua avaliação sobre o Projeto Identidade Araribá?

Thaís Caetano: O Projeto significa o que eu sou. A gente vem da aldeia pequenino,  às vezes, de família muito humilde. E você sonha, um dia, realizar o seu sonho. Quando eu entendo que o projeto me deu a minha profissão, para auxiliar e prestar atendimentos aos indígenas, e hoje ainda estar inserida nesse meio, é motivo de orgulho. O projeto me fez a enfermeira Thaís e é isso que eu vou carregar para a vida.

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Thaís com equipe de vacinação contra Covid-19 na aldeia.
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